Voluntariado

Quando você pensa em trabalho voluntário que palavras surgem na sua cabeça? Talvez algumas delas sejam: solidariedade, amor, altruísmo, ajuda, caridade, fazer o bem. Possivelmente, não é?
E você já pensou em realizar algum trabalho voluntário? Ou já planejou que em algum momento futuro da sua vida se dedicaria a algo assim? Ou ainda, você é voluntário (a) e mesmo assim resolveu ler o nosso texto? Então, me conceda a honra da sua companhia para esta leitura que pretende fazer uma reflexão sobre o voluntariado.
E novamente para situar o meu leitor (a) indico meu lugar de fala. Há quase cinco anos pesquiso o tema, logo um dos pontos de vista é o de pesquisadora, outro ponto de vista é por fazer parte do grupo Casulu que mobilizou profissionais de várias áreas para ofertar um trabalho voluntário nos últimos dias do mês de março. O terceiro e mais adequado é o de telespectadora, que assim como você, vive, como comentei com meu amigo Fabrício Lopes, também psicólogo, “um momento histórico”. Estamos vendo em tempo real, a ocorrência de uma situação global, bem como os muitos esforços que estão sendo realizados por profissionais de diversas áreas, áreas que já são essenciais (como a da saúde) e setores que se tornaram essenciais (como o de entregadores, balconistas, agentes de limpeza urbana, entre outros). Também estamos assistindo a muitas ações solidárias e ações voluntárias pelo o mundo todo! E é sobre isso que vamos falar aqui.

O trabalho voluntário não é uma ação aleatória, no Brasil é regulamentado pela lei do voluntariado, Lei Nº 9.608, de 18 de fevereiro de 1998. E a dita cultura do voluntariado é fruto de uma complexa dinâmica social formada por componentes ideológicos e políticos que se efetivam em momentos de crise, e como sabemos “a corda sempre arrebenta do lado mais fraco” e na condição de pesquisadora não posso me eximir de mostrar que há vários lados em uma mesma moeda. E chega de ditados populares.
O voluntariado tem diversas naturezas, por assim dizer, e pode ser a prestação de serviços culturais, educacionais, ambientais, e a assistência a pessoas, sem fins lucrativos. Geralmente esta atividade é associada a entidades religiosas e a organizações não governamentais, e assumiu por muito tempo um caráter assistencialista. O que também é outro ponto alvo de críticas na literatura. Mas, o cenário teve muitas mudanças. E atualmente o perfil dos voluntários e voluntárias tem mudado e isso refletiu no “novo modelo do voluntariado” caracterizado por identificação com uma causa, não apenas de forma altruísta, mas crítica também, consciente das relações sociais e das diferenças de classes, mas principalmente vem marcado por uma busca de promoção de autonomia para quem recebe o fruto desse trabalho. Também é válido mencionar que há o voluntariado no âmbito profissional, onde o sujeito busca experiência e exerce o trabalho sem remuneração em troca de aprendizagem.

O trabalho voluntário vem crescendo no mundo todo e muitas pesquisas foram realizadas sobre a motivação para o voluntariado. Os pesquisadores buscavam compreender o que leva alguém a dedicar parte do seu tempo, do seu dinheiro e até do seu trabalho para ajudar ao próximo, aos animais e/ou ao ambiente. E não há um consenso entre os pesquisadores, o que se percebe é que há uma diversidade de fatores que influenciam. Tais como: o desejo genuíno de ajudar, a inconformação com as diferenças sociais, participação em grupos ou entidades religiosas, ter alguém próximo que já realiza o trabalho, já ter sido contemplado com o trabalho, o desejo de fazer a diferença no mundo, ter novas experiências, tempo livre e até visibilidade social.
Evidente que nem tudo são flores e há diversas críticas à realização do trabalho voluntário no sentido de que ele exerce parte daquilo que o Estado deveria assegurar aos grupos menos favorecidos, mas esse é um assunto para outra oportunidade. Fato é que a motivação para o voluntariado é totalmente subjetiva, e difícil de ser determinada, pois há influência de múltiplos fatores. O mais recorrente é: o desejo de ajudar, pautado numa visão coletiva.

O desejo de ajudar o outro em geral exige a presença da empatia. Na medida em que nos colocamos no lugar do outro podemos mobilizar internamente não apenas emoções e sentimentos, mas também uma inquietação que atiça o desejo de concretizar aquele desejo de ajudar e esta inquietação transformada em ação tem um poder enorme.
No discurso dos voluntários o ser voluntário é retratado em diversas pesquisas, inclusive nas minhas, como sendo algo positivo, satisfatório e benéfico para quem realiza. Pesquisas que compararam voluntários a não voluntários indicam que os voluntários têm melhor qualidade de vida e relatam gratidão, e de modo algum esse texto é uma Ode ao Voluntariado, é apenas uma reflexão sobre como fazer algo bom para outro ser humano pode refletir possivelmente em quem faz.

E de fato há pessoas, situações e necessidades que o poder público não alcança. Tratam-se de necessidades fundamentais e outras sutis, da prestação de um socorro imediato, mas também uma presença no leito do hospital, de uma cesta básica, mas também de um acolhimento com palavras gentis, é um agasalho, uma marmita, mas é também um ato de escuta, um gesto de respeito, um pouco de arte, um sorriso, um abraço. E quem está lá? Os voluntários. Quem muda realidades com pequenos gestos? Os voluntários. E quem recebe o olhar agradecido? São eles também. Logo, aquele que recebe é beneficiado, quem realiza a ação voluntária é beneficiado…
Novamente é possível pensar no coletivo.

Temos aqui uma via de mão dupla? Honestamente, na condição de pesquisadora não ouso arriscar meus palpites. Devo continuar com as pesquisas. E meu papel aqui é promover reflexão.

Mas, uma coisa é certa assim como os profissionais da saúde, e os que estão em atividades fundamentais (principalmente neste período de enfrentamento do Covid 19), os voluntários merecem cuidados à sua saúde mental e principalmente nosso respeito.

Referências:

BRASIL. Lei nº 9.608, de 18 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre o serviço voluntário. Brasília, DF, 1998. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9608.htm > Acesso em: 08 de ago. 2016.

GIACOMINI-FILHO, G.; ALMEIDA, R. C. O novo voluntariado e a comunicação de ONGs no contexto da América Latina. In: ECCOM, Lorena, v. 7, n. 14, jul./dez., 2016. Disponível em: < http://www3.eca.usp.br/sites/default/files/form/biblioteca/acervo/producao-academica/002773897.pdf> Acesso em: 08 abr. 2020.

KOENIG, H. G. Medicina, religião e saúde: o encontro da ciência e da espiritualidade. 1ª Ed Trad. Iuri Abreu. Porto Alegre, RS: L&PM, 2012.

LANDIM, L. Experiência militante: História das assim chamadas ONGs. In: Lusotopie. Porto Alegre, n. 1, pp. 215-239, 2002. Disponível em: <http://lusotopie.sciencespobordeaux.fr/landim.pdf> Acesso em: 09 abr. 2020.

SOUZA, W. J; M.EDEIROS, J. P. Trabalho Voluntário: motivos para sua realização. In: Revista de Ciências da Administração, Santa Catarina, Agosto, n. 33, v. 14, pp. 93-102, 2012. Disponível em: <http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=273523604008>. Acesso em: 09 abr. 2020.

Texto por: Anne Cipriano
CRP13/6513
IG: anne.cipriano

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