Todos os filhos são biológicos e todos os filhos são adotivos, nos ensina o psicólogo Luiz Schettini. A primeira vista, isso pode desafiar o senso comum sobre adoção, mas o que isso significa? Que ser filho biológico de alguém é a única forma de existirmos concretamente neste mundo e que, mesmo assim, ainda precisamos ser adotados, pois esta é a única forma de nos transformarmos verdadeiramente em filhos. Assim, somente por meio da adoção, genitores tornam-se pais: esta é a única possibilidade de uma verdadeira parentalidade se efetivar.
Sobre Adoção
Adotar um filho transcende a ideia de “ter” ou “procurar” o filho. A adoção não tem a ver com o que vem de fora; pelo contrário, está estritamente ligada ao que está dentro, ou seja, ao desejo que se metamorfoseia em vontade (querer). É assim que o filho que se adota é concebido, simbolicamente falando. É bem verdade que, ao se gerar o próprio filho biologicamente, fica mais fácil para o organismo desenvolver, em conjunto, o desejo e a vontade. No caso da adoção, reside justamente aí uma bela peculiaridade: diante da ausência da dimensão biológica, o desafio que se apresenta aos pais é o de elaborar, psicologicamente, desejo e vontade por um filho.
Schetiini diz claramente que a dinâmica psicológica da relação adotiva não está relacionada ao ter (filhos), mas, fundamentalmente, ao ser (pais). Por isso, é um processo que não precisa estar ligada à solução de problemas pessoais, seja dos pais como, por exemplo: adotar como solução para conflitos no casamento ou adotar por sentir-se solitário. Na prática psicológica com pais e filhos adotivos, reconhecemos que estes vivem suas peculiaridades, que devem ser consideradas quando tentamos compreender o comportamento de ambos. Os pais tendem a necessitar de orientações para conduzir o processo adotivo e sobre como exercer a parentalidade, em alguns casos, apesar de verbalizar sobre o desejo em adotar ainda carregam muitas dúvidas e desconhecem todos os procedimentos burocráticos a cumprir além do período de espera.
A criança adotada, por sua vez, merece também uma atenção especializada, que respeite sua dinâmica psicológica. Apesar de não ser diferente das demais, é inegável que a criança adotada vive uma experiência que destoa do esperado para as relações parentais. A clínica psicológica nos mostra que o rompimento do vínculo afetivo com os pais biológicos deixa marcas históricas e psicológicas próprias, que não devem ser entendidos necessariamente como patologias ou deformações. São nada mais nada menos do que experiências como tantas outras que identificamos nas crianças que não têm uma história pessoal de adoção.
Por isso, temos a adoção como algo complexo, que passa pela habilitação no Sistema Nacional de Adoção até a adaptação da criança/adolescente e de seus pais adotivos. São muitas as etapas a percorrer em direção a uma relação parental saudável. Nesse sentido, preparar-se para ter um filho adotivo exige uma reflexão sobre os desejos, medos, motivações e expectativas. Segundo a psicóloga Renata Weber, os pais necessitam estar cientes dos próprios limites e possibilidades, elaborar uma série de fantasias, crenças, valores, desejos e expectativas com relação à parentalidade.
Maria da Penha Oliveira Silva, também psicóloga, nos ajuda a compreender um pouco mais a Adoção no excelente texto Adoção: tempo de espera e mudança no perfil dos habilitados que consta no livro Adoção: desafios da contemporaneidade, cujo recorte reproduzo aqui:
“A construção da parentalidade-filiação adotiva é um desafio para a maioria das pessoas que recorrem à adoção para realizar o sonho de ser mãe e se tornar pai. O caminho a ser percorrido nem sempre é uma linha, conforme um dia se idealizou. Ao contrário, é entremeado por sinuosas curvas e espirais e que requer de cada sujeito capacidade de parar, pensar e repensar suas ideias e desejos. É um ir e vir permeado por conversas, sentimentos, escolhas e decisões. Nessa construção, não basta apenas o desejo de ter um filho, mas um Outro, mãe ou pai biológicos, já o tenha desejado, ainda que esse desejo não se sustente ou se prolongue para os candidatos parentais além de uma gestação. Quando a pessoa pensa no nascimento de seu filho pelo caminho da adoção, uma história vai se construindo. Às vezes, pelo simples desejo de ter um filho, outras vezes, pela impossibilidade de gerar o filho desejado. A criança já existe no imaginário, mas também na vida real. Ela já tem nome, endereço, história. Pode ser um bebê, mas também pode ser uma criança o um adolescente que vai se construindo pelo não poder ou saber cuidar de seus genitores.”
Adoção no Brasil
Faço um breve resumo da trajetória da adoção em nosso País. A história da adoção possui um longo percurso no Brasil, se faz presente desde a época da colonização. A principio esteve relacionada à caridade, em prestar assistência a aquelas crianças/adolescentes que estão nas Casas de Acolhimento, esse pensamento ainda existe (acreditem!!) Em meados do séc. XIX inicio do séc. XX é o período em que surgem politicas públicas voltadas para a proteção de crianças. Porém, a primeira legislação no Brasil a ser promulgada foi a Lei 3071 de 1916, no Código Civil Brasileiro, dentro do direito de família.
Ao longo dos anos algumas modificações pontuais foram realizadas na Legislação ate que em 1990, a Lei 8069 com o ECA – estatuto da criança e adolescente vem tratando exclusivamente dos direitos e garantias a proteção da criança e do adolescente dentre eles o direito a convivência familiar através da adoção. Podem candidatar-se à adoção homens e mulheres, independentemente do seu estado civil, desde que sejam maiores de 18 anos de idade, 16 anos mais velhos do que o adotado e que lhe ofereçam um ambiente familiar propício. Assim, pessoas solteiras, viúvas ou divorciadas podem adotar. De acordo com o art. 45, § 1º, do ECA, serão postos em adoção todas as crianças e adolescentes cujos pais biológicos ou representante legal concordem com a medida ou se os pais estiverem destituídos do poder familiar ou, ainda, se estiverem falecidos. Houve também algumas mudanças no cadastro nacional de adoção, hoje SNA (Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento), o qual engloba num único sistema o cadastro dos habilitados (pretendentes a adoção) como os de crianças/adolescentes acolhidos.
Como me habilitar no cadastro nacional de adoção?
A adoção não é um processo simples. O candidato deve saber que passará por etapas em que será convidado a pensar e responder sobre a própria dinâmica psicológica, a entrar em contato com os sentimentos que acompanham o desejo de ser pai e ser mãe e, no processo de autoquestionamento, a se perceber responsável pelo papel que vai desempenhar na vida do filho desejado. Diante disso há alguns passos que deverão ser seguidos para todos aqueles que desejam habilitar-se a adoção e para isso não há a obrigatoriedade de se constituir advogado. Todo o procedimento é gratuito e realizado junto as Varas especializadas em família ou infância e juventude da cidade de residência dos pretendentes. Elenco as principais etapas de todo o processo de habilitação.
- Realizar pré – inscrição no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento – SNA no site do CNJ;
- Entrar em contato com a Vara especializada da Comarca da cidade onde mora para entregar cópias de algumas documentações exigidas e do requerimento preenchido e assinado;
- Entrevistas e visitas domiciliares da Equipe Psicossocial da Vara;
- Curso Preparatório: realizado em algumas cidades pelos grupos de apoio a adoção e em outras pela equipe psicossocial da Vara, atualmente ocorrem no formato EAD.
A realização de todas essas etapas tem caráter obrigatório e farão parte do processo de habilitação para adoção. Após o cumprimento de todas essas etapas, o Juiz dará a sentença favorável ou não a efetivação do pré cadastro preenchido inicialmente pelo(s) candidato(s).
Dai em diante é aguardar o contato das equipes das varas informando sobre a sua vinculação com a criança/adolescente desejada, esse é o tal período de espera.
Todo esse processo burocrático influencia emocionalmente cada individuo envolvido, e aparece mais nitidamente no período de espera.
A espera e onde posso encontrar apoio
Quando cumpridos todos esses procedimentos e efetivada a inscrição no SNA (sistema nacional de adoção e acolhimento), inicia-se o período de espera em ser chamado para conhecer a criança/adolescente desejada.
A psicóloga Janaina de Aguiar Cibien considera esse tempo de espera um tempo de amadurecimento, podemos entender como a seqüência do curso realizado anteriormente, na qual surgem muitas questões emocionais, que o tempo e o acompanhamento, faz com que sejam refletidas e necessárias. É como dormir e acordar todos os dias esperando uma notícia, um telefonema, uma visita, uma chegada, a ansiedade pelo desconhecido dia que demora tanto a chegar.
Tem-se a consciência do possível tempo de espera de acordo com as escolhas no cadastro, mas é claro que quando se quer muito algo, o desejo de antecipação é uma consequência. Por mais que seja angustiante a espera pela adoção, uma forma de mudar esta percepção é ter um olhar de que nunca é um dia a mais, e sim um dia a menos que passou de espera, que cada dia é uma página na construção dessa história, uma caminhada que pode ser leve e gratificante, ou não. Isso vai depender das suas escolhas. Que o período de ansiedade pode ser saudável e possível, e o processo de espera seja uma caminhada prazerosa. Onde é possivel aproveitar todos os momentos de preparação para a chegada deste filho nos seus mínimos detalhes, e construir boas histórias para ser lembradas, pois esta também faz parte do processo de gestação adotiva.
Viver o processo de gestação adotiva pode ser a construção positiva de uma linda história, com muita reflexão, preparação, e amor por este ser lindo que fará para desta família. Mas para que seja saudável é preciso ser natural, uma escolha dos futuros pais e aceitação da família como um todo.
Essa fase, que já é bastante desgastante, pode também se transformar em uma experiência de sofrimento para os pais. As fantasias referentes à adoção e à demora podem aumentar, gerando inúmeros questionamentos. Podem sofrer também de episódios de intensa ansiedade, emoção e até por vezes frustração. Esse período de espera, que podemos denominar de fase de transição para a parentalidade, pode ser bastante tortuoso e lança os indivíduos em uma condição peculiar: ainda não são pais, mas também não são pais em espera como ocorre na gravidez. Não se sabe quando a criança /adolescente chegará, como uma gravidez que tem seu início, mas não se tem certeza do momento exato em que será finalizada. Nesse período, os candidatos costumam ficar imaginando a criança, com base nas características que foram escolhidas no momento de seu cadastro no Fórum.
A depender da intensidade, essa espera pode fazer com que os pretendentes percam a disposição parental naquele momento. É comum, com o passar do tempo, ouvimos relatos de desânimo devido a longa espera, os sentimentos são confusos ora de injustiça, outras vezes frustração com todo o processo, ao final encontram forças para continuar, ou mudam o perfil do filho desejado, e alguns desistem de levar adiante o projeto da adoção. Socialmente há sempre questionamentos de quando a criança/adolescente chegará, se não está demorando muito, entre outras indagações que suscitam desconforto a quem está esperando.
Nesse sentido, grupos de apoio à adoção podem realizar um papel de apoio e orientação interessantes tanto no período pré-adoção, como no de pós-adoção. A psicoterapia também se abre como um espaço para que a família possa se reorganizar para chegada deste novo membro, como um ambiente suficientemente bom, propício ao desenvolvimento emocional. Assim, tanto o filho adotivo quanto a família como um todo podem em muito se beneficiar desta ação terapêutica para que o processo de adaptação seja vivenciado com mais tranquilidade. A criança/adolescente pode se recuperar da deprivação sofrida e conseguir formar vínculos saudáveis com seus pais e com a sociedade.
Bibliografia
Weber, Renata; Vendruscolo, Giana Bernardi. Vivências de pais adotivos sobre o processo de adoção. XXVI Seminário de Iniciação Científica. 2018
Schettini, Luiz. Uma psicologia da adoção. www.angaad.org.br/portal/mdocs-posts/uma-psicologia-da-adocao-por-luiz-schettini-filho
WEBER, L. N. D. Aspectos psicológicos da adoção. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2004.