CINEMA: MAIS DO QUE UMA EXPERIÊNCIA, UM RECURSO PARA A VIDA

           Desde o surgimento da humanidade as estórias são contadas, de geração em geração, no intuito de repassar valores, relembrar feitos e garantir que algo de importante não seja esquecido. Seja para a explicação do surgimento do universo ou para manter uma criança afastada de um perigo, construídas em pinturas rupestres ou superproduções hollywoodianas, as estórias são utilizadas pelo homem desde sempre no intuito de traduzir as verdades necessárias à sua época.
           Você não acha estranho o fato de centenas de pessoas saírem de suas casas, sentarem em uma cadeira numa sala escura cheia de desconhecidos e dedicarem duas horas de suas vidas para assistir à vida de outra pessoa? Literalmente pagando para chorar os dramas de alguém que nem existe na vida real. O que de fato tem nessas narrativas que faz com que as pessoas tanto se identifiquem com elas?
           Não importa se é uma aventura em um planeta distante com pessoas com poderes mágicos ou uma viagem ao centro da terra ou simplesmente uma comédia romântica. Há algo nos filmes que nos atrai, nos arranca lágrimas, nos toca profundamente. Há algo que vai além da trama superficial.
           Os bons filmes são organizados em camadas: por fora uma sinopse comum, por dentro uma viagem à um drama profundo e universal. Como por exemplo o filme “Interstellar” (2014) que conta a jornada de um astronauta perdido no tempo e no espaço, mas que quando analisamos mais profundamente, nas entrelinhas da ficção científica encontramos o drama de um pai que precisa sair de casa para garantir o futuro de sua filha. Como também em “The Secret Life of Walter Mitty” (2013) que apresenta um funcionário em busca de uma foto perdida no trabalho ao mesmo tempo que nos mostra um homem que viveu a vida inteira no mundo dos sonhos e que finalmente se dá a oportunidade de viver uma vida real.
           Este algo, que vai além do superficial, é nada mais nada menos do que o drama mais cotidiano do ser humano, as decepções, as escaladas, as quedas, as reviravoltas, a ausência e o encontro do sentido. Um bom filme é capaz de abordar estas e muitas outras facetas da vida humana e ainda apresentar virtudes de desenvolvimento enquanto entretém o expectador.
           Muito acertadamente Jean de La Fontaine diz: “Se quiser falar ao coração dos homens, há que se contar uma história. Dessas onde não faltem animais, ou deuses e muita fantasia. Porque é assim – suave e docemente que se despertam consciências”. Corroborando com aquilo que podemos presenciar enquanto assistimos um filme, La Fontaine traduz exatamente a função do que chamamos de arte: imitar a “coisa” e atribuir a ela um significado. No caso do cinema esta “coisa” a ser imitada é a vida humana e o significado atribuído na obra é este valor que de certo modo pode ser capaz de despertar nossas consciências.
           A sétima arte possui certa completude, uma vez que reúne nela mesma todas as outras: a música, a dança, a pintura, a poesia, a arquitetura, a literatura e o teatro. Uma junção que nos entrega, em meio às experiências imersivas e fantasiosas, o que há de mais humano e real. Sendo esta entrega um excelente recurso para nos auxiliar a construirmos a nossa própria história, uma vez que estamos no mundo justamente para isso, viver a nossa narrativa da melhor forma.
           Assistir aos filmes buscando estes recursos, identificando-se com os personagens, observando seus padrões comportamentais e emocionais pode ajudar-nos a decifrar e a observar em nós mesmos estes padrões, aumentando nossa autoconsciência e dando ao nosso imaginário um alimento rico em linguagem, que é para nós um elemento indispensável na articulação entre o que há dentro e fora de nós.

LETÍCIA MEDEIROS
PSICÓLOGA CLÍNICA CRP 13/8250

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